quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Entrevistas (I)


“A partir de 2013 os nossos jogos vão ser vistos na Benfica TV”

Fonte: Económico

Vieira clarifica os números do passivo, assegura que “a sustentabilidade do Grupo Benfica não está em risco” e recorda os investimentos feitos.
Luís Filipe Vieira candidata-se ao quarto mandato como presidente e vai ficar com os direitos televisivos na Benfica TV.
Os dados enviados à CMVM apontam para um passivo de 426 milhões de euros na SAD, enquanto no clube é da ordem dos 130 milhões. Mesmo levando em conta que os números do activo são elevados e a invulgar dimensão social do clube, a sustentabilidade do Benfica não está em risco?Não sou um especialista financeiro, mas, depois de tanta conversa sobre o passivo, acabei por ter de aprofundar esta matéria, uma coisa que pelos vistos não foi feita por quem devia. Os seus leitores que me desculpem entrar em pormenores técnicos que eles dominam, mas esta resposta é sobretudo para quem fala sem saber do que fala. De forma simplista, o passivo de qualquer empresa é sempre composto por 3 partes: o Passivo Exigível Financeiro que corresponde à dívida que é objecto de encargos financeiros, normalmente empréstimos; o Passível Exigível Não Financeiro sobretudo dívida a fornecedores e que no nosso caso está mais associado a compra de jogadores; e o Passivo Não Exigível, verbas registadas no Balanço mas que não são compromissos que a Sociedade tenha de liquidar. Por essa razão, vamos apenas falar do que é exigível. À data de 30 de Setembro, o Passivo Exigível Financeiro do Grupo Benfica são 237 milhões de euros. E o Passivo Exigível Não Financeiro do Grupo Benfica são cerca de 119 milhões de euros. Estas são as obrigações que o Benfica deve respeitar. E que estão relacionadas com os grandes investimentos realizados ao longo dos últimos 10 anos: o estádio, os pavilhões, as piscinas, o Caixa Futebol Campus, a Benfica TV, o Museu e sobretudo uma equipa de futebol que hoje ninguém, nem o candidato da lista B, é capaz de pôr em causa.
Como fica a sustentabilidade?A sustentabilidade do Grupo Benfica não está em risco, estava era quando Manuel Vilarinho pegou no Benfica e quando mais tarde me pediu para assumir a presidência. Nessa altura, havia passivo, muito, havia ainda dívidas que nunca tinham sido registadas e não havia qualquer activo, excepto o velho estádio, que como se sabe, não tinha condições para sustentar o futuro do clube. Hoje temos um activo próximo do passivo e sobretudo um cctivo que, por questões de prudência, não pode ser reconhecido no balanço, mas que tem a ver com o valor comercial dos nossos jogadores. Ou seja, o nosso activo real é superior ao passivo exigível e isso é o que nos garante o futuro. Admiti em determinada altura que o Dr. Rangel dizia o que dizia por desconhecimento, mas depois de constatar que a empresa que apoia a sua candidatura já lhe escreveu que o Passivo Financeiro é de 255 milhões, dados que não sendo verdadeiros não estão longe da realidade, e ele continua a insistir em 500 milhões ou 600 milhões, então aí a coisa já muda de figura. Passa a ser mentiroso e isso é tudo o que não precisamos no Benfica.
Que caminhos devem ser seguidos para reduzir o passivo?A nossa preocupação não tem tanto a ver com a redução do passivo, mas sobretudo com controlo desse passivo, numa base sustentável, e a aposta no crescimento do activo. Os sócios que pensem: será que o passivo da PT, da Galp ou da EDP é muito? Eles não sabem, o que sabem é que, por muito grande que seja, os activos são sempre superiores. E assim se gere uma empresa. O nosso passivo foi sobretudo consequência de duas coisas: os investimentos que quisemos realizar, aqueles que já referi anteriormente, e as dívidas que herdámos e que tivemos de liquidar, fruto da gestão mais gravosa da história do Benfica. Parece que se quer passar um pano sobre a irresponsabilidade criminosa que levou à eleição e permanência de Vale e Azevedo. Não podem, não devem e não permitiremos que o passado seja apagado. O importante é garantirmos que o aumento das receitas é mais rápido e que em breve estaremos com uma situação positiva em termos de resultados e geração de cash. Basta ver a evolução dos números e constatará que, se tivéssemos aceite a proposta de direitos televisivos, os resultados já seriam positivos há algum tempo. E, se temos um mau contrato de direitos televisivos, isso deve-se a quem rasgou o contrato no período de Vale e Azevedo. A consequência foi alguém ter ficado com o poder de exigir a falência do clube e nós, que entretanto aqui chegámos, termos sido obrigados a sujeitar o Benfica a um mau acordo.
Federação e Liga estão de acordo para que avance a centralização dos direitos televisivos: em que medida pode isso interferir nos planos do clube para a negociação dos seus direitos?Entendemos que a Liga está a avançar com a denúncia dos contratos assinados entre a Olivedesportos e os clubes. Foi algo que nunca fizemos pois entendemos que os contratos são para se cumprir. Demorámos 10 anos a aqui chegar, 10 anos onde tivemos de suportar os custos dos actos irresponsáveis da gestão de Vale e Azevedo. Negociámos com Pais do Amaral sem resultados. Iniciámos negociações com a Olivedesportos, não houve acordo e, a partir de um estudo da Eurogrup de 14 de Julho, que concluiu sobre quais os cenários a equacionar, tanto do ponto de vista estratégico como financeiro, a conclusão é que, a partir de 2013, os nossos jogos vão ser vistos na Benfica TV.
Fez um discurso de austeridade, apontando para a redução da massa salarial no clube. Quais são as medidas que estão a ser adoptadas nesse sentido?Nesta altura, não quero estar a entrar em demasiados detalhes sobre a forma como esse processo vai ocorrer. Temos vindo a evoluir numa perspectiva de parte das remunerações serem pagas em função de objectivos. Por exemplo, para todos os que hoje estão na estrutura do futebol, a remuneração só cresce se for acompanhada de um bom resultado desportivo do Benfica que, em última instância, se traduza num aumento dos proveitos da SAD. A passagem nas distintas fases da Champinos permite aos jogadores irem buscar mais dinheiro, mas, se alguma coisa falha, a SAD está protegida no controlo de custos.
Como avalia o seu rival e a respectiva lista?São benfiquistas, pelo menos aqueles que estão nas listas. São pessoas cujos méritos e deméritos profissionais e pessoais conheço, pelo menos de parte delas. Alguns estiveram cá com Vale e Azevedo. Prefiro não falar delas. Outras estiveram comigo e com Manuel Vilarinho. Poderia elencar o que cada um deixou no Benfica. Mas talvez seja melhor serem eles a dizer o que cá deixaram. Por mim, prefiro abordar outras questões: qual a experiência de gestão do candidato a presidente? Quantas vezes se reuniram para preparar um projecto para o Benfica? Conversaram com os parceiros financeiros? Alguma vez geriram uma empresa que factura quase 150 milhões de euros? Sentem-se sinceramente preparados para pegar no Benfica? Como pensam resolver a questão de não poderem ser remunerados? Vão viver de quê? Pelo menos era bom que o candidato Rangel respondesse a esta última pergunta... Um dos candidatos a vice-presidente dizia uma semana antes do prazo limite para apresentação das candidaturas que não havia tempo para preparar alternativa.
É verdade, como diz Rui Rangel, que o Benfica tem 95 jogadores sob contratoÉ falso. Como é falso que o Passivo financeiro seja de 500 milhões. Como é falso dizer que não se sabe quanto é o resto do Passivo. O que tenho ouvido revela uma de duas coisas; ou vontade de enganar os Benfiquistas, e não quero acreditar que assim seja, ou muita falta de preparação na abordagem à realidade do Benfica. Mas como tudo isto já foi corrigido e Rui Rangel continua a mentir, então é porque é algo compulsivo nele e isso é perigoso. O Benfica tem duas equipas profissionais, a Equipa A e a Equipa B. Só isso já justificaria um razoável número de jogadores, perto de 50. Mas, mais importante, fruto do trabalho desenvolvido na formação, o Benfica tem vindo a assinar contratos profissionais com vários jovens formados por nós, o que justifica mais umas dezenas de contratos profissionais. Ainda assim, não temos 95 jogadores... temos 79, dos quais 22 oriundos da formação e mais 25 com menos de 22 anos, muitos deles sob empréstimo, como já sucedeu com Fábio Coentrão, Melgarejo ou Enzo Pérez.
Que valores pagou o Benfica a empresários em comissões?Esses valores encontram-se disponíveis em todos os Relatórios e Contas. Não entendo como é que falam tanto sem consultar a informação que é disponibilizada ao mercado.
Por que razão passou Rui Costa a desempenhar um papel tão discreto na estrutura do futebol?O Rui Costa tem desenvolvido o trabalho que lhe pedi. É responsável por uma estrutura que tem um papel estratégico nesta casa. E tem-no feito longe dos holofotes, como deve ser.
A criação das equipas B vai permitir ao Benfica retomar, pelo menos em parte, a tradição de ter mais jogadores portugueses na equipa principal?É um meio importante, mas os melhores resultados possíveis nesta matéria são fruto do investimento na formação. Temos hoje mais de 300 jovens nos escalões de formação e só temos 4 estrangeiros. A equipa B permite-nos dar espaço aos melhores para evoluírem e para atingirem a equipa principal. O André Almeida, o André Gomes, o Luís Martins e o João Cancelo são todos portugueses, jogam na equipa B e são chamados regularmente à equipa A.
Di María, Ramires, David Luiz, Fábio Coentrão, Javi García, Witsel são exemplos de bons negócios nas últimas épocas. A necessidade de realizar mais-valias com transferências e o equilíbrio do plantel têm sido assegurados nos seus mandatos?O Benfica não tinha a capacidade dos grandes clubes europeus para gerar receitas que lhe permitissem ter um plantel capaz de competir contra os colossos europeus. Sobretudo pela dimensão comercial do mercado português e pelos baixos valores associados aos direitos televisivos. Para não perdermos competitividade, entendi desenvolver a estratégia de comprar jogadores de elevado potencial cedo, e com investimento mais controlado. Se o jogador for bom, pode render desportivamente durante algum tempo e financeiramente no momento adequado. Se não for, o risco é limitado. Creio que, pegando nos seus exemplos, é possível confirmar que a estratégia seguida tem sido a correcta.
Não é contraproducente emprestar Nélson Oliveira ao Corunha numa fase de plena afirmação na equipa principal do Benfica?Não creio. Essa avaliação é feita pela estrutura do Futebol Profissional, onde o treinador tem assento. No caso do Nélson, era fundamental que estivesse numa equipa com as características do Corunha e num campeonato competitivo como o espanhol. Já tínhamos feito algo parecido com o Fábio Coentrão e resultou. Acreditamos muito no Nélson e estou certo que em breve estará a dar grandes alegrias ao Benfica.
Desde a saída de Coentrão, o Benfica não encontrou um lateral-esquerdo que assegure competitividade: porquê?Vamos começar pela sua afirmação. O Fábio Coentrão não era lateral esquerdo. Foi o Jorge Jesus que viu nele o potencial para evoluir até onde evoluiu. O mesmo se passa com o Melgarejo. O Técnico acredita que ele tem todas as condições para ser um dos melhores laterais esquerdos do Mundo. E foi dele a decisão de apostar em primeiro lugar neste jovem. Falta dizer que temos na equipa mais dois laterais que podem fazer este lugar, um dos quais oriundo do Futebol Formação.
Jorge Jesus está na última época de contrato. Tem planos para renovar ou está dependente do desempenho nesta temporada?Jorge Jesus tem dado muito ao Benfica. Nunca até hoje me arrependi da decisão de o trazer para cá. Não quero antecipar a minha decisão, até porque terei de ouvir os outros membros do Conselho de Administração. E vai compreender que depois de tomada a decisão, vou primeiro falar com ele e só depois com a comunicação social.
Reconhece que ser campeão duas vezes, em nove anos sob a sua liderança, é um desempenho escasso?Reconheço que todos os benfiquistas querem mais, mas não há nenhum benfiquista que queira ser campeão mais do que eu. De qualquer forma, sempre disse o que iria fazer: primeiro apostar na recuperação da credibilidade, depois construir as infra-estruturas necessárias para o sucesso desportivo e finalmente construir uma equipa capaz de voltar a dar grandes alegrias aos benfiquistas. Disse que o último mandato seria o da aposta desportiva e, apesar de só termos conquistado um campeonato em três, fomos 3 vezes à Liga dos Campeões, estivemos duas vezes nos quartos de final de uma competição europeia e uma vez numa meia final e ganhámos 3 taças da Liga, Isto para não falar no sucesso do Futebol Formação e das Modalidades. Neste momento, estamos em primeiro lugar do Campeonato. Veja a história dos mandatos das últimas duas décadas e verificará que nesses mais de 20 anos, o Benfica nunca tinha tido estes resultados. É escasso? Depende da perspectiva, é se compararmos com a nossa história de há 50 e 40 anos, mas é muito, se compararmos com os últimos 20 anos. E digo-lhe que acredito que estamos na tendência certa, cada época será melhor que a anterior.
O Benfica não vai ter dificuldades para cumprir as regras do fair-play financeiro estabelecidas pela UEFA?Não. Temos participado nos grupos de trabalho com a UEFA e sabemos que temos todas as condições para cumprir o Fair Play Financeiro. Não se esqueça que uma parte significativa dos nossos custos estão associados com as infra-estruturas e com a Formação. E esses custos não são considerados quando se analisam os clubes para efeitos dos fair-play financeiro. Acresce que o incremento das receitas televisivas vai permitir equilibrar a nossa conta de resultados.
Já admitiu que se arrepende de ter despedido Fernando Santos: há alguma outra decisão de que se arrependa? Qual ou quais?Arrependo-me de por vezes confiar demasiadamente em certas pessoas que acabam por não o merecer. São ossos do ofício, mas acho que já não vou mudar. E hoje, posso dar-me por satisfeito de ter uma equipa que trabalha comigo de elevado gabarito. São os melhores.
Alguma modalidade (andebol, hóquei em patins, atletismo, basquetebol, voleibol, triatlo ou outra) corre o risco de sofrer cortes ou de ser extinta?Não, vamos manter os investimentos como até agora. O que não quero é lançar modalidades, novas ou antigas que não sejam auto-sustentáveis. E a recente propaganda sobre o relançamento do ciclismo é um excelente exemplo do que não se deve fazer. Já o tentámos, com a pessoa que hoje está mais empenhada na Lista B, e foi um rotundo fracasso. Perdeu-se dinheiro e não se ganhou na estrada.
Considera que a estratégia seguida em relação ao sector da arbitragem é a mais indicada?Nós não queremos ter uma estratégia para a arbitragem. O que precisamos é que nenhum clube tenha estratégias para a arbitragem. Tem sido difícil combater velhos hábitos, mas acredito que haverá condições para termos uma nova mentalidade, onde o que ganha é o melhor e não aquele que melhor se mexe em meandros obscuros. Caso não consiga mudar essas práticas, denunciarei as mesmas onde for necessário.
Se fosse hoje, voltaria a apoiar Fernando Gomes e Vítor Pereira?Hoje, não deixo de exigir que todos os intervenientes no desporto, e em especial no Futebol, sejam eles governativos, federativos, da Liga ou das Associações, sejam responsáveis e responsabilizados pela evolução do sector, no seu todo, e também na arbitragem. Não descansarei enquanto não tivermos um futebol limpo. E se entender que há responsáveis que não são capazes de o assegurar, tirarei as devidas ilações e actuarei em conformidade.
O herdeiro de Manuel VilarinhoLuís Filipe Vieira, de 63 anos, é empresário (pneus e construção civil) e chegou ao Benfica depois de ter liderado o Alverca, assumindo o cargo de director para o futebol em 2001, numa altura em que a liderança pertencia a Manuel Vilarinho. Eleito presidente a 3 de Novembro de 2003, prosseguiu o trabalho do anterior líder para a reorganização do Benfica, cuidou da construção do novo estádio e do centro de estágio, sendo duas vezes reeleito. Sob o seu comando, o clube da Luz foi duas vezes campeão, venceu uma Taça, uma Supertaça e quatro Taças da Liga.

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